A Proteção do Conhecimento e dos Saberes Tradicionais e a Lei nº 13.123/2015

O conhecimento é um de nossos maiores tesouros. Ao lado do tempo e da saúde, é de reconhecer que a ampliação da consciência do nosso entorno, o entendimento dos processos que ocorrem a nossa volta, as melhores formas de agir, as aplicações de cada planta, objeto e teoria, todo tipo de conhecimento enriquece o ser humano. Contudo qual é o valor deste conhecimento? Já mencionei anteriormente uma das formas tortas com as quais nos relacionamos hoje com o saber.
Em maio de 2015, tivemos a promulgação de uma nova lei protetiva da Biodiversidade – Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Ela entrou em vigor em novembro último. Segue quadro elaborado pelo Planalto ressaltando as alterações trazidas por esta lei:


Claro está o caráter “promocional” deste quadro. Mas gostaria de ressaltar o aspecto da proteção dos saberes. Um dos grandes dilemas que envolve o conhecimento tradicional de tribos e populações tradicionais é justamente aquele que surge quando estamos frente a um outro direito: o direito ao registro de patente. É uma questão mais delicada ainda quando este saber está ligado à manutenção da saúde e da vida.
Exemplo clássico é o de plantas medicinais utilizadas há muito tempo por tribos e seus xamãs. O que vinha ocorrendo principalmente na Amazônia era a realização de pesquisas por empresas do ramo farmacêutico e posterior registro de patente de medicações que já eram usadas há séculos por comunidades tradicionais.

Ocorreu caso pitoresco quanto aos bordados do povo andino (para saber mais clique aqui). Uma francesa decidiu efetuar registro de uma forma tradicional de fazer. Não apenas o saber tradicional merece proteção, mas igualmente as formas de fazer bordados, receitas, cultivos. Alguns saberes e fazeres inclusive foram Tombados como Patrimônio da Humanidade, a fim de serem preservados.
Mas o que a atual lei brasileira de proteção à biodiversidade pretende implantar é um cadastramento, um controle, uma fiscalização e um monitoramento dos saberes e fazeres tradicionais que fazem parte do Patrimônio genético do país.
Adiante, com a clara finalidade de regulamentar algo que já ocorre, busca soluções para o uso comercial destes saberes e fazeres. E neste ponto começa a haver uma tensão. A legislação foi objetiva e determina que se for realizado o uso de saber tradicional, então deve haver a competente repartição dos benefícios nas seguintes modalidades:
Art. 19. A repartição de benefícios decorrente da exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado poderá constituir-se nas seguintes modalidades:
I – monetária; ou
II – não monetária, incluindo, entre outras:
a) projetos para conservação ou uso sustentável de biodiversidade ou para proteção e manutenção de conhecimentos, inovações ou práticas de populações indígenas, de comunidades tradicionais ou de agricultores tradicionais, preferencialmente no local de ocorrência da espécie em condição in situ ou de obtenção da amostra quando não se puder especificar o local original;
b) transferência de tecnologias;
c) disponibilização em domínio público de produto, sem proteção por direito de propriedade intelectual ou restrição tecnológica;
d) licenciamento de produtos livre de ônus;
e) capacitação de recursos humanos em temas relacionados à conservação e uso sustentável do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado; e
f) distribuição gratuita de produtos em programas de interesse social.
§ 1o No caso de acesso a patrimônio genético fica a critério do usuário a opção por uma das modalidades de repartição de benefícios previstas no caput.
§ 2o Ato do Poder Executivo disciplinará a forma de repartição de benefícios da modalidade não monetária nos casos de acesso a patrimônio genético.
§ 3o A repartição de benefícios não monetária correspondente a transferência de tecnologia poderá realizar-se, dentre outras formas, mediante:
I – participação na pesquisa e desenvolvimento tecnológico;
II – intercâmbio de informações;
III – intercâmbio de recursos humanos, materiais ou tecnologia entre instituição nacional de pesquisa científica e tecnológica, pública ou privada, e instituição de pesquisa sediada no exterior;
IV – consolidação de infraestrutura de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico; e
V – estabelecimento de empreendimento conjunto de base tecnológica.
Como se vê, a população tradicional ou indígena poderá ser beneficiada não apenas com retribuição monetária. São soluções que permitem uma troca de valores: a empresa recebe a permissão para o uso comercial (o que é faticamente inevitável hoje em dia), mas compensa este uso com alguma das modalidades de incentivo à proteção e ao desenvolvimento tecnológico do nosso país.
Na lógica capitalista, fechamos o círculo virtuoso e estamos entregando o que temos e recebendo o que precisamos. Na minha tendência preservacionista xiita, a ideia de uma cerca impedindo o acesso à Amazônia ainda é tentadora (e impraticável!). Contudo, isolar já não é uma postura aceitável na atual conjuntura. A opção legislativa de um país representa parte da postura frente à questão do meio ambiente. É parte de uma escolha maior.
Os questionamentos que ficam são os mesmos que já tínhamos antes da lei: é possível ter controle? O Brasil tem “cacife” para manejar o processo que a lei prevê – cadastro, monitoramento, fiscalização? Haverá uma compensação real às populações tradicionais?
Assim é possível concluir que a Lei nº 13.123/2015 vem no sentido de buscar harmonia entre o saber e o uso comercial e de demonstrar nosso esforço em criar um ambiente de “ecodesenvolvimento” (querendo significar uma harmonia entre meio e capital). Como toda lei, apenas após alguns anos poderemos aferir se foi uma boa escolha e se conseguimos realizar tudo aquilo que a lei tencionava tornar realidade.
Quem (sobre)viver, verá!
Veja também este vídeo: 
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