Sustentabilidade sem Inclusão? O Racismo Ambiental e a Falta de Voz das Minorias
Recentemente, publiquei um artigo falando sobre o que seria racismo ambiental, qual o conceito originário, e como ele pode ser transcrito para a realidade brasileira. Esperava que com isso expandir o debate e mostrar como até políticas públicas de desenvolvimento e de proteção ao meio ambiente são impactadas pelo racismo estrutural e institucional que macula nossa sociedade.
Contudo, o debate saiu pela culatra: a maioria dos comentários apontaram que os desafios discutidos no texto estavam relacionados a injustiças causadas por desigualdade econômica e que raça talvez não tivesse nada a ver com a discussão. Também, fui lembrada que a esquerda deveria voltar a se preocupar com classe e deixar o debate sobre identitarismo de lado por ora.
Na hora, o discurso potente e “abridor de olhos” de Mano Brown em 2018 veio à tona. Naquele momento, ele convidou o PT a “voltar para a base” e criticou o quanto o partido havia se afastado da luta social e de classe, mas não apenas isso. Ele foi além, contudo, para compreender melhor aquela fala, é preciso voltar no tempo e lembrar de como surgiu o PT.
O Partido dos Trabalhadores surge no contexto de um declínio da ditadura brasileira em que o milagre econômico mostrava que não passava de algo passageiro. Trabalhadores da indústria brasileira se uniram a diversos movimentos e construíram alianças para levar aquela insatisfação a se tornar um movimento e, eventualmente, um partido. Dentre essas alianças, temos a igreja católica, o movimento negro, o movimento feminista, o movimento LGBT, comunistas, lutas anti-repressão, sociólogos, filósofos e mais. Logo, o PT nasceu e cresceu construindo diversos grupos dentro do futuro partido que, somados, levariam o seu principal líder à presidência da república, em 2003. Para saber todos os detalhes, recomendo a leitura do livro “PT, Uma História”, de Celso Rocha de Barros.
Portanto, olhando para o passado, notamos que o que algumas pessoas chamam de identitarismo ou debate sobre identidades nunca esteve afastado da esquerda brasileira. Mas, me deem a chance de apresentar uma discordância. Tenho dificuldades em olhar para a luta antirracista, anti violência de gênero, anti homofobia e entendê-las como lutas por identidade (apenas).
Por exemplo, o movimento negro brasileiro, desde o começo do século XX, luta pelo direito: de participar politicamente da sociedade brasileira, pela vida de jovens negros, por melhores condições sociais, trabalho, reconhecimento e espaço nas esferas de poder. Tudo isso somado se traduz em uma luta por cidadania completa, algo que não é concebível àqueles que são considerados inimigos ou cai dentro da categoria de “outros” em sociedades racistas.
Segundo Charles W. Mills, raça é uma categoria usada para estruturar e organizar as pessoas em hierarquias, sejam elas sociais, econômicas e/ou políticas, que por sua vez têm sido usadas para legitimar o colonialismo, a discriminação e violência contra esse “outro”. Sendo assim, estamos falando de poder.
Na hierarquização das raças, a raça branca exerce o poder e tem o privilégio da cidadania completa, enquanto as demais são subjugadas e relegadas à condição de inimigas da sociedade, precisando conformar ou agir de acordo com o que se espera delas – caso queiram participar daqueles espaços como cidadãos.
Se a raça branca é a que exerce o poder; se ser cidadão brasileiro (sujeito de direitos) é privilégio de quem é branco ou tem a pele clara, aqueles que não se encaixam nesta categoria sofrerão exclusões diversas. Incluindo as relativas ao planejamento das cidades, do meio ambiente e do acesso a mínimas condições de vida.
Voltando à crítica apresentada por Mano Brown e que também fez muita gente refletir sobre o tal “identitarismo” da esquerda, concordo que as críticas têm fundamento. Afinal, quando a mulher trans é m#rta ou viol3ntada, ninguém pergunta quais são os pronomes que ela prefere usar. Quando o jovem negro é abordado violentamente pela polícia, eles não perguntam se o certo é “negro, pardo ou preto”. Discutir linguagem parece a perda de tempo quando existem tantos problemas maiores a serem enfrentados.
Com este ponto, eu posso concordar. No entanto, me preocupo quando colocam as lutas históricas por cidadania e direitos dos grupos minoritários da nossa sociedade no mesmo balaio de debates sobre, por exemplo, o uso ou não de gênero neutro.
Entender os impactos do racismo em políticas públicas de meio ambiente é fundamental para combater injustiças relacionadas ao uso do espaço e ao impacto desproporcional de eventos climáticos extremos em populações vulneráveis, não apenas em nível local, mas em nível mundial. Essa discussão não pode ser relegada ao falso dilema do identitarismo ou perderemos mais tempo nesta luta por uma sociedade igualitária e sustentável.
A exigência por mais pessoas negras, faveladas, indígenas, quilombolas em espaços de tomada de decisão é para que elas possam construir com soluções baseadas em suas experiências, não em como a elite dominante às veem. Isso não é identitarismo; é inclusão, é representatividade, é – o que vocês pediram – dar voz às bases.