O que é racismo ambiental mesmo?

Recentemente, ouvi que o conceito de racismo ambiental não fazia sentido. De acordo com meu interlocutor, se as políticas ambientais afetam a todos da mesma forma indiscriminadamente, como poderíamos falar em racismo ambiental? Há meses penso neste questionamento, então resolvi escrever um pouco sobre isso. É possível realmente se falar em racismo ambiental?

Eu precisei voltar ao conceito original. Benjamin F. Chavis Jr. disse, no livro organizado por ele e chamado “Confrontando racismo ambiental: vozes dos movimentos sociais” [1], que

“racismo ambiental é discriminação racial no processo de produção de políticas públicas ambientais.”

Trabalho de resgate às vítimas do soterramento no Morro do Bumba em Niterói-RJ no ano de 2010. – Foto: Vladimir Platonow / Agência Brasil

Então, a discriminação ocorre no momento da elaboração das regras que vão definir, por exemplo, onde um aterro sanitário estará; se serão plantadas árvores nas ruas ou não; se o bairro será planejado ou foi organicamente criado pela população, sem fiscalização; onde um polo industrial vai estar localizado (perto de uma comunidade quilombola ou perto de uma área residencial de classe alta), e mais.

Para compreender essa lógica, é preciso ter pelo menos dois pontos como premissa:

1. Discriminação racial ou racismo não é (apenas) um ato ou atitude individual. Questões como raça, gênero e classe estão finamente entrelaçadas às estruturas da sociedade e de suas instituições. Por esse motivo, decisões e atitudes tomadas por tais instituições podem estar eivadas de racismo.

2. Grupos racializados, como negros, quilombolas e indígenas são vulneráveis por uma lógica política que os deixa morrer – e mata.

Indígena observa Rio Negro quase seco durante estiagem histórica na Amazônia: debate sobre direitos da natureza para garantir meio ambiente equilibrado para humanos e não humanos, incluindo animais, rios, plantas e montanhas (Foto: Alex Pazuello / Governo do Amazonas – 21/10/2023)

Compreendendo que as decisões políticas podem ser eivadas de racismo e que há uma lógica de apagamento e eliminação dessa população, fica mais fácil entender que racismo ambiental é também uma maneira de vulnerabilizar ainda mais tais populações.

Contudo, não temos acesso a essa consciência naturalmente. A muitos de nós, inclusive professoras e professores, não nos foi ensinado que perceber as diversas nuances do racismo estrutural é o primeiro passo. Para chegar até entender que é preciso ser antirracista para mudar as estruturas, é preciso investir no que chamamos de “letramento racial”. Isso significa desconstruir o que sabemos, como vemos, como sentimos a nossa sociedade e questionar tudo que temos como pedras fundamentais do saber.

Racismo ambiental, por fim, é uma das diversas consequências do racismo que estrutura as diversas sociedades modernas e, também, é um exemplo de injustiça ambiental. Mas, a verdade é que não haverá justiça ambiental enquanto houver racismo.

[1] Tradução minha. Título original: “Confronting Environmental Racism: voices from the grassroots”.

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Saiba como colocá-lo nas referências:

OLIVEIRA, Tassiana. O que é racismo ambiental mesmo?. Autossustentável. Disponível em: <https://autossustentavel.com/2024/10/o-que-e-racismo-ambiental-mesmo.html>.

Referência e Sugestão de Leitura:

BULLARD, Robert D. (Ed.). Confronting Environmental Racism: Voices from the Grassroots. Boston: South End Press, 1993.

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