O Saneamento Ecológico como artifício de dignidade social

Quando o assunto é Saneamento Básico o Brasil apresenta um cenário no mínimo desesperador, onde cerca de 35 milhões de pessoas não possuem acesso a água potável e mais de 100 milhões estão sem coleta de esgoto. O índice de brasileiros que possuíam tais serviços em 2011 era de 48,10% e em 2018 passou para 53,20%, ou seja, uma evolução praticamente irrisória comparada àquilo que precisa ser feito.

“Se continuarmos nesse ritmo, vamos demorar pelo menos 40 anos nas maiores cidades e mais de 50 anos no Brasil para universalizar o saneamento. ”  (Édison Carlos – Instituto Trata Brasil).

Ao analisarmos determinadas regiões, percebemos que o desafio na cobertura da coleta de esgoto permanece ainda maior. No Norte do País 89,51% da população não têm nenhum tipo de atendimento referente à destinação adequada desses efluentes; no Nordeste a taxa é de 71,99%.  Mesmo capitais como Manaus apresentam um índice preocupante: 87,57%. A região Sul, apesar de tida como economicamente próspera e desenvolvida, tem mais da metade de seus habitantes sem acesso correto à coleta: 54,83%. (SNIS – ano base 2018).

Imagem: Creative Commons

Um dos principais entraves das obras de Saneamento Básico no Brasil é a burocracia. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o tempo médio entre o início do processo e a liberação dos recursos financeiros para utilização das empresas responsáveis pelo projeto é de mais ou menos 27 meses. Além disso, um discurso que, infelizmente, ainda parece possuir muita relevância nos palanques políticos é: “enterrar dinheiro – referência às tubulações de água e esgoto subterrâneas – não dá voto”, uma frase que deixa claro o tamanho do descaso por parte dos nossos governantes.

Apesar dos números nos apontarem um caminho tortuoso, o Saneamento Ecológico desabrocha e aflora diariamente, nos trazendo esperança de dias melhores e mais limpos, através de estruturas sustentáveis. Para lidar com a problemática envolvendo a coleta dos dejetos domiciliares, podemos citar como exemplo a Bacia de Evapotranspiração.

A Bacia de Evapotranspiração (BET) ou Fossa Verde, como também pode ser conhecida, é uma alternativa para o tratamento das chamadas águas negras – aquelas que são oriundas do vaso sanitário – em zonas urbanas e periurbanas.

Imagem: http://ciac.org.br/bet-bacia-de-evapotranspiracao/

O sistema consiste, basicamente, em um reservatório que é cavado no chão, impermeabilizado e preenchido, primeiramente, com pneus enfileirados – formando uma espécie de túnel – ou com tijolos inclinados – formando uma pirâmide de interior oco, praticamente uma galeria.

Ao redor do túnel construído no centro da bacia e também sobre ele, são despejadas diferentes camadas de substrato: entulhos de obra, material de demolição, telhas quebradas, pedriscos, cascalho, britas e areia, de modo que seja constituído um leito filtrante. Por fim, o preenchimento do reservatório deve ser realizado com solo fértil, adequado para o plantio de espécies vegetais de crescimento rápido e folhas largas (como bananeiras e taióbas).

O dimensionamento do Sistema BET deve ser feito considerando 2 m³ por indivíduo. Por exemplo, em uma residência com quatro habitantes a bacia deve contar com 8 metros quadrados e 1 metro de profundidade.

Quanto ao seu funcionamento, este acontece da seguinte maneira: o efluente vindo do vaso sanitário desemboca direto no túnel de pneus – ou tijolos – por meio de uma tubulação de 100 mm, sendo decomposto através do processo de digestão anaeróbica (fermentação) desempenhado pelas bactérias fixadas nas paredes do túnel.

Imagem: O Blumenauense

O fluxo dentro da bacia ocorre de baixo para cima, de modo que os dejetos fiquem “aprisionados” no interior da galeria, enquanto o fluido separado da matéria orgânica vai subindo e passando pelo leito filtrante, onde também se encontram bactérias entre os entulhos e pedriscos. Ao atingir as raízes das plantas a água – resultante do efluente que foi tratado pelos micro-organismos do sistema – já está 99% limpa e após ser absorvida pelas bananeiras e taiobas, ela é devolvida ao meio ambiente por meio da evapotranspiração realizada pelas plantas.

A Fossa Verde trata-se, portanto, de uma estrutura fechada, um sistema que não gera resíduo final, que se utiliza de um método limpo e ecológico capaz de transformar esgoto em nutrientes, permitindo que a água retorne ao meio ambiente sem causar nenhum tipo de poluição ao solo e aos rios.

Imagem: Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS)

O investimento em Saneamento Básico está intrinsecamente vinculado às questões de saúde pública. Pesquisas apontam que o Brasil possui cerca de 400 mil interações por ano decorrentes de diarreia; caso houvesse a universalização dos serviços de coleta de esgoto, esse valor cairia para 270 mil. (Instituto Trata Brasil). Outros estudos indicam ainda, que no âmbito mundial, um dólar gasto em saneamento básico gera uma economia de quase seis dólares em problemas futuros (Organização Mundial de Saúde).

Estamos inseridos em um contexto carregado de tradicionalismo técnico, repleto de sistemas convencionais. Nos vemos cercados de profissionais, gestores públicos e cidadãos que parecem não se interessar por métodos alternativos que sejam relativamente simples e verdadeiramente sustentáveis.

Há uma infinidade de estudos científicos aplicados, executados e muito bem-sucedidos ao redor do mundo que nos mostram a eficiência do Saneamento Ecológico no tratamento do esgoto doméstico, basta que estudemos a respeito e cobremos que as autoridades responsáveis estejam dispostas a implementá-lo.

É primordial que um serviço ligado à dignidade humana, essencial à vida, que carrega no próprio nome o termo “básico”, seja colocado em pauta, trazido para o debate público, exposto diariamente nos canais midiáticos, para que assim, possam se fazer conhecidas as soluções verdes que tanto têm a contribuir na reversão da realidade calamitoso e funesta de milhões de brasileiros.

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Saiba como colocá-lo nas referências:

SILVA, Pâmela. O Saneamento Ecológico como artifício de dignidade social. Autossustentável. Disponível em: <https://autossustentavel.com/2020/06/saneamento-ecologico.html>.

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