Tempo, Vou te Fazer um Pedido
Há alguns (bons) anos, conversando com um querido professor de Física em uma das escolas onde já trabalhei, falávamos sobre alguns dos desafios socioambientais ditos “urgentes” e as dificuldades em solucioná-los.
Foto de um lixão em Phnom Penh, Camboja. Fonte: flicker |
Ele, professor muito mais experiente, me indicou a leitura do livro “Tempos históricos, tempos biológicos. A Terra ou a morte: os problemas da nova ecologia”*, de Enzo Tiezzi (1938-2010). Tiezzi foi um físico-químico que transitava por diferentes campos do conhecimento, incluindo o da sustentabilidade socioambiental associada ao funcionamento dos sistemas complexos e à entropia.
Tiezzi afirma que os desafios da sustentabilidade estão intimamente relacionados à diferença de passo entre os processos que ocorrem dentro do “tempo histórico” e os que ocorrem dentro do “tempo biológico/natural”.
O rápido consumo de recursos e energia, por exemplo, tem seguido a norma social e economicamente estabelecida dentro do “tempo histórico”, o que tem impedido que os processos naturais de resiliência – muito mais lentos – ocorram de forma efetiva dentro do “tempo biológico/natural”. Dessa forma, quanto mais rapidamente consumimos nossos recursos naturais e energia, mais rapidamente nos dirigimos ao caos e à desordem (entropia).
Extrativismo Mineral – Fonte: Cultura Mix
Em resumo, a sociedade vive em um tempo diferente do da natureza. Hoje, essa constatação já não é novidade e, mesmo assim, ainda insistimos no velho modelo de crescimento por meio da exploração descontrolada de recursos e estímulo ao consumo.
As palavras de Tiezzi sobre os “tempos” casam perfeitamente com minhas experiências no campo da Educação para a Sustentabilidade na escola. Atualmente, e graças ao apoio incansável de alguns alunos, professores engajados e direção, coopero com o desafio de desenvolver e instalar um novo e eficiente programa de gestão de resíduos dentro do espaço escolar.
Apesar das vitórias, todos nós temos sentido a incompatibilidade entre dois tipos de “tempos”, que tratarei aqui como “tempo institucional” e “tempo comportamental”.
Instituições, de forma geral, investem e desejam resultados positivos preferencialmente a curto prazo. Por outro lado, uma vez que o sucesso dessas ações depende de mudanças culturais e de comportamento, os resultados normalmente ocorrem a médio ou longo prazo (quando ocorrem).
A gestão adequada dos resíduos está vinculada intimamente ao “tempo comportamental”, ou seja, os investimentos só mostrarão resultados efetivos se as pessoas agirem de forma condizente e descartarem seus resíduos de forma correta. Notadamente, o tempo para que isso aconteça é normalmente superior ao desejado pelo “tempo institucional”.
Infelizmente, o descompasso entre investimento, expectativa e resultado acaba muitas vezes frustrando os envolvidos, levando ao abandono da iniciativa. Tudo graças ao conflito entre “tempos”.
Fonte: demimatravesdemim |
Esse fato é extremamente comum e um exemplo que sempre me vem à mente aconteceu quando se tornou obrigatório o uso do cinto de segurança. Certamente demoramos alguns anos – e algumas multas- para entender que seu uso é obrigatório e importante. Atualmente, e 17 anos após a criação da Lei, duvido que muitas pessoas relutem em colocar o cinto antes de dirigir.
Como estariam os índices de mortes e ferimentos graves no trânsito se tivéssemos desistido do cinto?
Enfim, é preciso entender que o tempo das pessoas é muito mais lento que o tempo institucional, e que o primeiro não segue, via de regra, a ideia artificial de ano fiscal ou ano letivo. É preciso dar tempo (biológico/natural) ao tempo (histórico) e insistir em ações que visam o bem da coletividade e do planeta, independente do tempo que isso levará.
Isso dito, deixo as últimas considerações na poesia de Caetano Veloso em sua “Oração ao Tempo”…
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
[…]
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
[…]
*O livro de Tiezzi pode ainda ser encontrado nos sebos virtuais espalhados pela internet.