São Paulo Pede Água (e Ação)
Um dos meus lugares preferidos em São Paulo é o Parque Doutor Fernando Costa, mais conhecido como Parque da Água Branca. Ele faz parte da minha história desde criança e a ideia de um parque onde gansos, galos e galinhas d’angola podem correr soltos me fascina até hoje. É um lugar para realmente conviver com a diversidade, não só de aves, mas também de pessoas.
Parque da Água Branca. Foto: Caio Pimenta/SPTuris. Fonte: Cidade de São Paulo. |
Um dos meus cantinhos preferidos no parque é o espaço de leitura, literalmente encaixado entre palmeiras e com cadeiras e mesas que convidam a ficar. Em um episódio recente, cinco meninas lindas de 5 ou 6 anos de idade, acompanhadas pelas mães, iniciaram uma guerra de água, aproveitando o calor do inverno e uma das bicas localizadas no espaço de leitura.
Meu incômodo com a cena foi quase imediato e logo me veio à cabeça a imagem das represas com seus vinte e poucos por cento de capacidade. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa (pois não sabia bem como), uma senhora se levantou de sua cadeira e acabou com a brincadeira, fechando a bica falando assertivamente com as meninas sobre a falta de água na cidade. As respectivas mães nem viram o que aconteceu. Uma pena, pois elas também certamente aprenderiam algo. Ver esse nível de engajamento e preocupação é muito raro e não tem preço.
Seca no Sistema Cantareira. Fonte: Último Segundo. |
Tenho notado um rápido esvaziamento no que se refere à preocupação com o meio ambiente em várias instâncias. Esse foi apenas um exemplo. Ter água à vontade, ter o luxo do caminhão de lixo três vezes por semana, ter energia elétrica que alimenta nossas lâmpadas que teimamos em não apagar, enfim, TER de tudo, muito e barato (relativamente) cria maus hábitos.
Há alguns anos, o desmatamento na Amazônia, as mudanças climáticas, e mesmo o tráfico de animais silvestres, eram notícias dignas de capa nos melhores jornais e revistas. Hoje, são tratadas como notas, quando são.
No caso da água, entretanto, tem sido um pouco diferente. A ameaça de não TER aquilo que me é indispensável e que me dá conforto é inaceitável, em especial, para as classes mais favorecidas. Na contramão, milhares de pessoas no Brasil enfrentam o racionamento de água regularmente, mas nada tem sido falado sobre isso.
Ameaça do racionamento de água em São Paulo. Fonte: Ciclo Vivo. |
Essa mesma ausência de interesse que sinto nos noticiários, também sinto na escola. Apesar de estar presente ao longo de todo o currículo do Ensino Básico, o tema ambiental (ou socioambiental) tem sido trabalhado, em geral, de forma burocrática, gerando pouco ou nenhuma repercussão
tanto dentro da própria escola, quanto nas respectivas comunidades. Apesar do empenho de alguns professores, a mensagem se perde logo que toca o sinal e nada do que foi “aprendido” se torna ação no mundo real. Aqueles que abraçam a causa logo são chamados de “verdinhos” ou “ecochatos”. Esse tipo de bullyingleva rapidamente ao abandono dos valores coletivos ligados à questão ambiental.
tanto dentro da própria escola, quanto nas respectivas comunidades. Apesar do empenho de alguns professores, a mensagem se perde logo que toca o sinal e nada do que foi “aprendido” se torna ação no mundo real. Aqueles que abraçam a causa logo são chamados de “verdinhos” ou “ecochatos”. Esse tipo de bullyingleva rapidamente ao abandono dos valores coletivos ligados à questão ambiental.
Acredito que uma das formas de manter a questão ambiental em pauta em nossas comunidades é por meio da comunicação; mas não a comunicação sem sentido prático como, por exemplo, dizer que um chiclete demora 5 anos para se decompor. E daí?
É necessária uma comunicação clara que nos faça lembrar constantemente dos desafios que enfrentamos com relação à disponibilidade dos recursos e que aponte com assertividade o que é melhor para todos e para o ambiente. Enfim, que seja crítica, que faça pensar e que leve à ação.
Há 4 meses, iniciei no condomínio onde moro uma campanha de comunicação bastante simples. Tenho colocado nos elevadores cartazes que informam brevemente sobre a crise de água na cidade, o consumo atual do condomínio e como reduzi-lo.
Para minha surpresa, já houve uma redução de 10% do consumo. Parece pouco, mas isso representa, em média, cerca de 30 mil litros a menos de água por mês. Em uma visão quase surreal, são 15 mil garrafas pet de 2 litros cheias de água.
Qual foi o segredo? Na verdade, não utilizei nenhuma informação diferente à que tem sido veiculada já há alguns anos. Acho que o segredo foi trazer a mensagem para perto do público de forma continuada, variada e, muitas vezes, bem humorada. Não é assim que fazem conosco quando nos querem vender algo? Insistem, colocam na sua cabeça o quanto aquilo é importante, até você ir lá e comprar. No caso do condomínio, o marketing verde funcionou. Uma vitória não para mim, mas para todos nós.
Como Biólogo, educador e cidadão, minha preocupação com os desafios ambientais é diária. Já ouço há décadas que as mudanças de comportamentos são urgentes. Os progressos existem, e são muitos, mas o saldo ainda parece negativo ao constatar a falta de água, as ruas sujas, o aumento vertiginoso do número de carros nas ruas, e a falta de preocupação e engajamento na resolução dessas questões, tanto no plano pessoal quanto no de políticas públicas efetivas.
Se você é educador, síndico, zelador, enfim, se você é um cidadão preocupado com esses temas e acha que precisamos mudar, saia da sua zona de conforto e faça algo, como fez aquela senhora lá no Parque da Água Branca.
O saber descolado do agir não leva à transformação necessária.