Porque, Hoje, o Brasil Pode Liderar as Discussões Climáticas
Como comentei anteriormente aqui, nesse fim de ano teremos um dos mais importantes passos na caminhada internacional no debate sobre a mudança do clima. A 21° Conferência das Partes das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (ou COP-21), a ser sediada na capital francesa em dezembro deste ano, é a reta final da fundamental discussão sobre que novo acordo/tratado sucederá o Protocolo de Quioto a partir de 2021, data do término de sua vigência.
Sobre esse processo que levou ao Protocolo de Quioto, suas críticas, sua extensão e o atual caminho para o que, espera-se, será o “Protocolo de Paris”, comentarei em texto posterior, mais próximo ao evento. O ponto principal aqui é enfatizar um artifício encontrado para que as negociações avançassem e os países não chegassem a Paris com o mesmo nível de ambição de Copenhague, há 6 anos: as pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC).
As iNDC são declarações feitas por cada um dos países-membros que farão parte das negociações no fim do ano. Espera-se que coloquem, de forma clara e com antecedência, qual o nível de esforço e ambição que, individualmente, estão dispostos a se comprometer a fim de que, somando-se todos esses esforços, possa-se atingir ao ideal previamente acordado de um aumento máximo de 2°C na temperatura global média. Em outras palavras, o quanto cada país se banca (ou quer se bancar).
Ao longo do ano, diversos países enviaram suas iNDC à ONU com posicionamentos, no mínimo, interessantes. Tivemos o acordo EUA–China no meio do ano, refletido em suas contribuições; a já esperada posição europeiade continuidade de Quioto; Índia e Rússia se posicionando não muito distantes a como geralmente agem nessas discussões. Mas me atento ao nosso posicionamento, do Brasil, lançado no fim do mês passado, pela própria Presidente da República.
Antes de mais nada, é importantíssimo frisar o ponto inicial e que dá o tom ao documento: o iNDC brasileiro é, sem dúvida, o mais ambicioso em comparação a todas as outras grandes economias do mundo. O governo brasileiro aponta para uma redução absoluta de emissões de gases de efeito estufa de 37% em 2025 e 43% em 2030 – ambos tendo 2005 como ano-base.
Pausa nessa parte para uma explicação do parágrafo acima. Primeiramente, importante colocar que qualquer meta de redução demanda um ano-base sob o qual será definida qual o tamanho da redução. No nosso caso, o ano de 2005 é interessante tanto do ponto de vista técnico – foi quando finalizamos nosso segundo e mais completo inventário de emissões já realizado – quanto político – foi um ano de emissões bem significativas, em especial advindas do desmatamento.
Mas me foco na palavra “absoluta” desta meta porque ela é fundamental para explicar o que chamei de maior ambição brasileira. Em linhas gerais, a compromissos de redução de emissão se apresentam em três possibilidades de meta: (i) intensidade de emissões; (ii) desvio da curva de crescimento; e (iii) reduções absolutas.[1]
As metas por intensidade de emissões, lógica amplamente utilizada pela China, se baseiam na razão entre o quanto emitem de gases de efeito estufa e o tamanho de sua economia; em outras palavras, premia o quão eficiente é esse país. Caso suas emissões cresçam de um ano para outro, mas sua economia tenha um crescimento maior, sua intensidade diminuirá.
O desvio da curva de crescimento, utilizada, por exemplo, pela nossa Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), se baseia numa diminuição do total das emissões de um país tendo como base o quanto seriam as emissões deste caso nada tivesse sido feito (o famoso cenário business as usual). Melhor explicando: projeta-se que de ano X para Y o país, baseado em seu crescimento, teria uma emissão tantas vezes maior do que no ano inicial – baseado nesse valor projetado, estipula-se uma meta de redução de emissão, desviando, assim, da curva de crescimento.
Por fim, as reduções absolutas são, como o nome dizem, absolutas. Pega-se o valor de um ano-base e estipula-se a redução percentual daquele valor. Para ilustrar a diferença entre esses três casos, faço uma comparação na tabela abaixo partindo de algumas informações do caso brasileiro (com dados aproximados).
Dados Iniciais
Ano-Base: 2005 Emissões no ano base: 2,3 bi ton CO2e PIB no ano base: 882 bi Meta de redução: 43% em 2030 Crescimento projetado da economia (e das emissões): 3% ao ano (esse crescimento é um chute meu; a PNMC prevê 5%/ano, mas isso é risível se formos analisar os últimos 10 anos de crescimento brasileiro… 3% já é ser bondoso). |
Intensidade de Emissões
Intensidade em 2005: 0,0026
Meta de intensidade em 2030: 0,0014
Emissões totais no ano da meta: 2,58 bi ton CO2e
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Desvio da Curva de Crescimento
Emissões projetadas para 2030 em um cenário business as usual: 4,81 bi ton CO2e
Meta de emissões para 2030: 2,74 bi ton CO2e
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Meta absoluta
Meta de emissões para 2030: 1,3 bi ton CO2e
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Nota-se que nos dois primeiros cenários – de intensidade e do desvio da curva – a meta brasileira permitiria que o país pudesse aumentar a quantidade de gases de efeito estufa permitida. O ponto que não paro de enfatizar aqui é: sendo a única dentre as grandes economias com meta tão ambiciosa já explícita, o Brasil chega a Paris com capital político para influenciar decisivamente o rumo das discussões, mantendo uma posição de liderança que começou a ter desde Copenhague.
Significa dizer que nosso iNDC não é passível de críticas? Longe disso. Uma meta ambiciosa desperta imediatamente o interesse em entender o como o país a atingirá. Se voltarmos ao gráfico de emissões históricas brasileiras, conseguimos notar sensível diminuição daquelas advindas do desmatamento; de fato, hoje, as duas maiores fontes de emissão brasileiras são agricultura e energia.
E grande parte das críticas que o iNDC recebeu tanto da academia, quanto da sociedade civil, inclusive do próprio setor empresarial, vêm justamente da dificuldade de se encontrar o caminho para atingir a meta. Ponto de muita preocupação, por exemplo, é a quase inexistência de referências às emissões por transporte (hoje cerca de 15% a 18% das emissões nacionais), que não a “medidas de eficiência e melhorias de infraestrutura”. Há ainda menção de aumento do etanol e biodiesel em combustível líquido, que também poderiam aliviar as emissões, mas muito aquém do potencial nacional.
Outro ponto duramente criticado, em especial por ONGs ambientalistas, é a meta de desmate ilegal zero na Amazônia em 2030. Oras, sendo-o ilegal, dar um prazo de quinze anos para seu cumprimento é admitir a possibilidade de não cumprimento da legislação integralmente, flexibilizando-a; além disso, o foco exclusivo no bioma amazônica pretere outras zonas que merecem igual preocupação, como o cerrado ou a Mata Atlântica.
Por fim, o iNDC brasileiro retoma um debate que era o cerne do posicionamento do país pré-2009, sobre responsabilidade comuns, porém diferenciadas e responsabilidades históricas, demonstrando que mesmo tendo sido um país que contribuiu muito pouco ao aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera ao longo da história [2]. E retomo ao ponto principal desse texto: a despeito de críticas que têm que acontecer a partir da posição brasileira, a mesma gabarita o país a uma liderança natural no atual debate, um país que está de fato comprometido a atuar, ainda que unilateralmente.
Fecho justamente com esse ponto, sobre a atuação unilateral. Ao ler as posições de quase todos os países, os mesmos condicionam ações individuais deles ao movimento dos demais; ou seja, não querem arcar com os custos enquanto os outros entram “na carona”. Mas o Brasil não. O comprometimento é voluntário e incondicional. E é um comprometimento sério e, comparativamente aos demais, bastante audacioso. O que potencializa ainda mais nossa posição para liderar uma conversa visando a um compromisso vinculante global.
O que não significa que ele necessariamente sairá. Ou que será o ponto de alto de Paris esse ano. Mas esse é um assunto para depois.
[1] Já foi mais discutido ainda uma quarta possibilidade, as emissões per capita, mas como os dos países que mais defendiam o tema – China e Índia – não mais o estão fazendo, não o cobrirei nesse texto.
[2] Lembro que as emissões de gases de efeito estufa não têm efeito momentâneo; os mesmos permanecem na atmosfera agindo por muitas décadas, se não séculos, posterior ao seu lançamento. Significa dizer que as emissões das primeiras máquinas a carvão da Inglaterra no século XVIII ainda tem efeito sobre a temperatura global. Daí a preocupação brasileira em pontuar para não somente as emissões atuais, mas também o total historicamente já lançado.