Ativismo: É preciso um novo modelo de ação

Nos últimos 6 anos eu me dedique à defesa dos direitos indígenas e da floresta. Não foi inconscientemente que me envolvi com a causa, mas ao pisar pela primeira vez na Amazônia meu espírito se abriu para um novo universo.
Eu tinha 18 anos quando fui ao coração da Terra pela primeira vez. Me conectei com a energia da Criação, força que é a base de toda vida. Ao perceber o novo cenário, me envolvi e foi impossível não investigar. Minhas pesquisas teóricas e in loco geraram um certo incômodo quando comecei a enxergar as ameaças sob as quais vivemos. Em cada notícia lida e experiência vivida, uma guerreira de pele vermelha ia nascendo dentro de mim. Enquanto me deslocando entre aldeia e cidade, me especializei, busquei informações acerca do tema, me envolvi em campanhas, debates, protestos, denúncias e tudo que poderia ampliar minhas experiência e conhecimento.
Minhas pesquisas expunham também os horrores do envenenamento do nosso planeta, da nossa terra e gens. Não há separação entre comunidade e natureza. Somos o meio ambiente.
O comprometimento com a causa já fazia partede mim. Me juntei à outros que partilhavam do mesmo incômodo e esgotamento.Comparceiros, desconhecidos, irmãos de causa e guerreiros nós fomos às ruas, ao Congresso, às escolas, faculdades, jornais, redes sociais e até finalmente à ONU, ao Forum Permanente para Questões Indígenas das Nações Unidas (UNPFII) em Nova Iorque. A busca pela mudança de olhar e comportamento e compartilhamento da informação me moviam. E ainda me movem. Tudo na busca pela mudança e a tão esperada transformação.
Durante o processo vi mudanças, mas elas não eram em benefício dos povos indígenas ou da floresta, pelo contrário: O novo Código Florestal foi aprovado anistiando produtores rurais que haviam desmatado ilegalmente, Belo Monte foi aprovada apesar de ser um escândalo de corrupçãe degradação, a PEC215 parece não ter fim, comunidades tradicionais (leia-se, centenas de famílias: homens, mulheres e crianças) continuam sendo removidas de suas terras originárias e o Brasil continua sendo o país com maior índice de assassinatos à ambientalistas. Tais questões são pontuais assuntos pinçados de uma pilha de sujeira que segue aumentando. 

Running Trees por Maria Antonia Souza
Enquanto o agronegócio estava destruindo as florestas e outros ecossistemas no Brasil e no mundo, eu estava destruindo o meu espírito no meio de tanta decepção e me exaurindo ao lutar uma batalha tóxica, sem fim, sem direitos, sem, ao meu ver naquele momento, saída.
A tentativa de conscientizar as pessoas sobre o sistema que anda nos destruindo estava me aniquilando, de dentro pra fora. A maioria da população, claro, prefere continuar acreditando que tudo sobre mudanças climáticas até a multitude de problemas ambientais – desde a saúde de cada indivíduo até a destruição do nosso solo, sementes e animais – é assunto de ficção ou que não lhe diz respeito. Eu não os culpo, adoraria viver nessa bolha também. Mas a essa altura eu já sabia demais, tinha os números da destruição na ponta da língua, com grande angústia devo acrescentar. Eu tinha materiais (fotografias, videos, artigos e relatórios) apresentando em detalhes o desmatamento da Amazônia, o último escândalo de derramamento de óleo, pesquisas detalhadas sobre os efeitos de sementes geneticamente modificadas, informações inadmissíveis, quase conspiratórias, da indústria farmacêutica e empresas como a Monsanto, Nestle, Coca Cola entre outras.
Mas pra quê tudo isso?
O meu amor pela floresta estava correndo risco de extinção. Era tanta perda, estrago, ruína que o fim estava claro para mim. Mas por quê o ativismo tem que ser assim? Porquê para exigir mudanças nós temos que expor em todos os detalhes a destruição? Ou melhor, por quênão estava funcionando? Me apresso logo em responder: uma crise demonstrada em números e tragédias inspira a
mudan
ça até certo ponto.
  
De Lama Lâmina por Matthew Barney
Sem muitas esperanças eu decidi tirar meu time de campo, recuar. Um tanto covarde, com uma sensação de fracasso. Mas felizmente, e para minha surpresa, bastou eu parar de lutar para a minha natureza se restaurar. O meu amor pela Terra retornou e começou a curar meu espírito partido. Eu entrei para o time de Gandhi e bani do meu cotidiano as palavras guerra e luta (esse é último texto que escrevo sobre isso, eu prometo). Chega de falar em desmatamento, lobby ruralista e commodities. Ainda há espaço para o tema, mas não no meu processo de cura. Eu quero espalhar exemplos e experiências de reflorestamento e comunidades que estão vivendo no Novo Paradigma – assunto para o próximo texto.
Relembrando  o começo desta jornada ativista eu percebi que o que me inspirou a trabalhar em nome da Terra não foi a minha indignação em relação ao desmatamento. Foi o meu amor pelas árvores que me motivou, foi a capacidade de me sentir conectada e em casa no meio da floresta ou dentro de um rio. É a (re)conexão com a Terra que queroestimular e conscientizar as pessoas.
Eu honro e reconheço todos os meus amigos e colegas da comunidade ambientalista e indigenista que já lutaram, os que seguem lutando e os que virão no futuro. Reconheço todos vocês ativistas e profissionais que continuam fortemente na batalha. À vocês devemos tantas mudanças positivas, sem vocês nada saberíamos da realidade por trás deste véu de ilusão. Mas também lhes faço um convite, vamos examinar o que esta acontecendo conosco e com a Terra através da lentes da consciência espiritual. Como disse o ativista político Rabbi Michael Lerner: O movimento ambientalista não pode mais só nos ensinar sobre os fatos e dados científicos, é preciso também ensinar uma nova visão espiritual.
s precisamos enxergar a Terra como fonte de Vida, como o cientista britânico James Lovelock chama Gaia, um gigante organismo vivo. Ando esperando o dia em que o ativismo vai se tornar sagrado, unindo a compaixão com o desejo pragmático da transformação. Enquanto isso sigo o tambor do xamã e o canto dos passarinhos para dentro da floresta, as sementes que ainda não foram plantadas, a música do espírito. Nós não precisamos salvar a Terra, nós precisamos amar a Terra – é isso
que vai salva-la.
Between Art and Nature por Pierre Puvis de Chavannes, 1888
Meus próximos textos serão sobre Ativismo Sagrado, o Trabalho que Reconecta e este novo mundo que ando investigando.

Alguns links sobre Sacred Activism (Ativismo Sagrado ou Novo Ativismo):
  • Deep Ecology and The Work That Reconnects: Joanna Macey http://www.joannamacy.net
  • Livros:
  • The Hope: A Guide to Sacred Activism, Andrew Harvey
  • Sacred Activism Series, North Atlantic Books: www.nabcommunities.com/sacredactivism
  • Occupy Spirituality, Adam Bucko and Matthew Fox
  • Collapsing Consciously, Carolyn Baker
  • Earth Calling, Ellen Gunter e Ted Carter
Clique aqui para ler mais sobre artigos de Maria Eduarda Souza

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