Um pedaço de paraíso e a cachoeira de 300 moradores
Turismo é um tema antagônico, no entanto quem ama viajar não consegue escapar desse insustentável dilema. Eu sou uma dessas pessoas. Vivo o constante desafio de estar em movimento e ser sustentável. Hoje em dia, viajar sem depreciar uma região é tarefa difícil, requer cuidado, atenção e consciência.
Imagem: Maria Eduarda Souza – Autossustentável |
Depois de muitas viagens pelo Brasil e pelo mundo percebo que os moradores locais são os melhores indicadores para avaliar se o turismo na região é sustentável. Conversando com pessoas que nasceram no espaço podemos sentir se nossa visita é bem vinda ou, na verdade, está criando desconforto e desequilíbrio socioambiental.
Em Junho deste ano estive na Espanha e após muitos dias na cidade de Barcelona buscava um pouco de sombra e água fresca. Sem saber para onde ir, segui em direção as montanhas. Após dirigir por curvas fechadas em uma pequena estrada de terra batida cheguei em um paraíso com árvores densas e penhascos.
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De longe já se podia ouvir o barulho da cachoeira que cai de muito alto e nutre toda a planície. A cachoeira Salt de Sallent e o rio que brota destas águas descem por uma chapada verde até aonde os olhos podem alcançar. Com piscinas naturais e diversos pontos para observação da vista, o local tem uma serenidade apaixonante e por algumas horas eu me esqueci quão perto estava da vibrante Barcelona. São pedras que invocam uma natureza majestosa, que nos rouba a respiração e nos refresca com águas limpas.
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Depois de me banhar, sentei para meditar e observar os pássaros que ali voavam, as andorinhas dançavam junto ao vento do entardecer. Quando o sol já estava se pondo fui caminhar entre as árvores. Quem cuida da trilha e oferece apoio aos visitantes que vem em busca de natureza são os residentes do charmoso povoado local, Rupit i Pruit. Uma ponte peculiar nos convida a entrar e descobrir a região que parece uma viagem de volta ao tempo medieval. Pequena, com uma população em torno de 300 pessoas, Rupit é um recanto de casas rústicas e pedras de paralelepípedo do século XVI e XVII.
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Com somente alguns estabelecimentos como lojas, restaurantes e pequenas tavernas o povoado se mantêm do turismo local. Mesmo na alta temporada do verão europeu o povoado estava calmo e silencioso. No entanto, ao entrar em uma viela se podia encontrar um viajante admirando a arquitetura ou a natureza da região.
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Quando o anoitecer chegou me sentei no único bar aberto para jantar. A família que me recebeu foi muito hospitaleira e contou que moram em Rupit há mais de 4 gerações e hoje vivem inteiramente do turismo. Sofia, a matriarca, dividiu conosco como a comunidade de residentes de Rupit i Pruit se reúne para compartilhar informações e tomar decisões coletivas para coordenar e administrar o turismo e o futuro do povoado.
Depois de um pouco de conversa, aprendi que em Rupit i Pruit é proibido colar cartazes e propagandas nas paredes da cidade. O cuidado com as portas, os muros e as janelas é responsabilidade de todos os moradores. Muitos ensaios fotográficos são feitos na cidade e o valor arrecadado é revertido para a restauração das ruas e casas.
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Decisões pequenas fazem a diferença, as flores das janelas são escolhidas em conjunto, e segundo a proprietária do restaurante, de maneira participativa. Ela também nos contou que em breve estariam recebendo um festival de yoga na região e estavam se preparando para um público de vegetarianos e veganos. Esta preparação resultou em muita troca entre os restaurantes e outros estabelecimentos que precisavam ser criativos na hora de preparar pratos sem jamón, o famoso presunto espanhol. Sofia me contou que o restaurante vizinho iria ensiná-la a fazer hummus e que ela iria ensiná-lo a fazer croquetas de setas (croquetes de cogumelos). Essa troca de receitas mostra como a colaboração é o sentimento que move o povoado, ao invés da competição desenfreada impulsionada pelo turismo. O povoado é cercado por diversas fazendas e propriedades rurais que invocam o tempo onde riqueza era sinônimo de terras fartas e largas. Rupit i Pruit é uma comunidade, não um grupo de pessoas isoladas.
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Passei somente um dia em Rupit, mas deixei o lugar com a certeza de que eu era bem vinda e estava contribuindo com a comunidade local. Viagens sustentáveis contribuem de forma positiva para a região e seus moradores. Quando permitimos, essas viagens também nos trazem conhecimento e aprendizado.
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Ao viajar para longe de nossas casas, também viajamos para dentro de nós. Visitamos um espaço em nosso ser que não encontramos todo dia. Viagens têm o potencial de nos educar, de abrir nosso coração e mente para o desconhecido, para as surpresas.
Pessoas interessadas em conhecer a verdadeira cultura do local, entrar em comunhão com a terra e apoiar quem mora na região não é turista, é viajante. Viajar gera conhecimento para si e a oportunidade de oferecer conhecimento a quem encontra pelo caminho. Levamos e trazemos informações, pois, na grande maioria das vezes, ir implica em voltar. E sempre voltamos diferentes, com novas experiências e aprendizados. Um viajante, ao voltar, traz consigo histórias que contribuem para um despertar global.