A Amazônia continua em chamas

Imagem aérea de queimadas na cidade de Altamira, Estado do Pará. (Foto: Victor Moriyama / Greenpeace)

Muito já se falou sobre as queimadas na Amazônia. A chocante temporada de incêndios entre julho e setembro gerou uma grande quantidade de notícias, fotos, videos e opiniões em nível local e internacional pelos mais diversos profissionais e especialistas.

Escrevo este texto ciente de que será publicado somente no final de setembro e me pergunto se ainda será relevante para o leitor. Depois de muito refletir, abrir e fechar o computador, cheguei a conclusão que a Amazônia continua em perigo, independente do mês. Com a nossa atual política, a Amazônia vive em perigo. Então escrevo aqui, mais uma opinião, um chamado para ação e um alerta.

Fogo na região em 2018: se nada for feito, as secas aumentarão. / Imagem: Daniel Beltra / GREENPEACE. / Reprodução: Veja

Nosso Presente e Suas Consequências

Houve no Brasil este ano cerca de 76% a mais de incêndios do que no mesmo período do ano passado. Encontrei artigos que apontaram até quase 90% a mais de incêndios, mas deixo aqui uma referencia mais conservadora e ainda extremamente alarmante. Setenta e seis porcento!

 Dióxido de Carbono (CO2)

Estes incêndios terão um impacto grande e duradouro na própria floresta e também no mundo porque liberaram grandes quantidades de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera. Para se ter uma ideia da gravidade da situação, quando apenas 0,2% da Amazônia queimou em 2016, lançou 30 milhões de toneladas de CO₂ – quase a mesma quantidade de CO2 emitida pela Dinamarca em 2018.

Claro que isso é uma má notícia, porque o CO₂ é um gás de efeito estufa (GEE) que contribui para o aquecimento global e para as mudanças climáticas – além disso já emitimos uma quantidade considerável de dióxido de carbono através do uso de energia, transporte e indústria.

 Ecossistema e Biodiversidade

Além da quantidade exorbitante de CO₂ liberado na atmosfera, os incêndios transformam completamente o ecossistema da floresta que além de ser a maior floresta tropical do planeta, também pode abrigar 1/4 da biodiversidade do planeta.

Se continuar queimando, é provável que se torne um ambiente completamente diferente, com menos árvores e com diferentes espécies de plantas e animais –  algumas espécies podem desaparecer completamente da área. Quando penso nisso, me pergunto como temos a coragem de matar tantos seres vivos diariamente. Florestas podem pegar fogo naturalmente, mas isso não significa que os incêndios que estamos vendo agora sejam normais ou naturais.

Ao contrário de outros ecossistemas – como a savana africana, o mato australiano ou as florestas de coníferas dos EUA – que evoluíram com incêndios ao longo de milhares de anos, as plantas e animais que vivem na Amazônia não têm as características necessárias para sobreviver a um grande incêndio e se regenerar após o fogo. As árvores na Amazônia têm casca relativamente fina; portanto, durante um incêndio, o calor pode danificar seriamente as células dentro da árvore, o que eventualmente a mata. Pesquisas anteriores feitas na Amazônia descobriram que mais de 40% das árvores morrem até três anos após um incêndio. À medida que os incêndios se tornam mais frequentes e intensos, as chances de recuperação da floresta tropical diminuem. Dois ou três incêndios podem danificar o estoque de sementes das árvores destruindo completamente o ecossistema.

Direitos Indígenas

Além da perda de espécie e das enormes emissões de CO₂, a destruição da terra ancestral e sagrada dos povos indígenas torna os incêndios um crime de diretos humanos. Povos indígenas dependem da floresta para sobreviver. Isso não significa que dependem somente do solo, água e ar que a floresta os fornece, mas a sua cosmologia também necessita da Amazônia viva. A língua, os mitos, os rituais e cerimônias somente existem dentro deste ambiente harmonioso que é a floresta Amazônica. Queimar a floresta é remover a fonte de Vida dos povos indígenas.

Engrenagem

É provável que os incêndios em todo o Brasil este ano tenham sido causados pelo desmatamento para dar lugar à pecuária e à soja. A abordagem “cortar e queimar” – onde as pessoas cortam árvores, as deixam secar e depois as queimam – é a ferramenta mais barata para derrubar florestas na Amazônia. No auge da estação seca, quando a chuva é escassa, as chamas podem escapar para a floresta, intencionalmente ou não. Se não for controlado, os incêndios florestais podem queimar até ficar sem combustível ou serem apagados pelas chuvas da estação chuvosa.

Corte e queimada da floreta em Mato Grosso. / Imagem: George Steinmetz

Para proteger a Floresta Amazônica de novos incêndios, nosso governo deveria conter o desmatamento. Porém, sabemos que a atual política ambiental age na direção contrária. Além de negar completamente a ciência climática, observamos o desmantelamento de leis e órgãos ambientais, o total descrédito ao trabalho de ONGs e ativistas. As declarações sobre a produção agrícola na Amazônia ser necessária para alimentar a população do país não condizem com informações contidas em sites próprios do governo – Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo, vinculada ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – que informa que a Agricultura familiar do Brasil é 8ª maior produtora de alimentos do mundo (clique aqui para ler a matéria).

Cabe agora refletir – os incêndios e o desmatamento ocorrem, majoritariamente, por dois motivos: a pecuária e a produção da soja. Ambos, são exportados para países como a China e para os que fazem parte da União Europeia. Recentemente, algumas empresas cortaram “seus pedidos” do Brasil até que seja estabelecido uma produção sustentável. Essa pode ser parte da solução, mas é só o começo.

É claro que o problema é mais profundo. Ao meu ver, é preciso não só uma mudança na nossa forma de produção agrícola e econômica, como também uma mudança de valores sobre que tipo de nação queremos ser. Somos um país que explora e coloniza nossas terras indígenas, nossas águas e florestas? Ou somos um país que valoriza, respeita e honra a natureza que vive em nossa terra?

Nosso Destino

Hoje acredito que somente duas forças, atuando em conjunto, têm a capacidade de alterar o triste destino de nossa floresta. A primeira seria a pressão da sociedade civil, incansável e insatisfeita. Precisamos demonstrar de forma criativa e não violenta o nosso descontentamento pela atual política ambiental chancelada pelo presidente, que resultou em ecocídio. Como cidadãos, podemos também consumir de forma mais consciente sempre verificando a cadeia de produção e impacto dos produtos que escolhemos comprar.

A outra força, imprescindível, ao meu ver, é a pressão internacional. Países de todo o mundo precisam dizer ‘não’ a atual política ambiental brasileira. Não advogo para um boicote econômico total, pois aonde a sociedade brasileira seria a maior prejudicada, porém é preciso um posicionamento que demonstre que o atual governo do Brasil não reflete preocupação com o meio ambiente e o Brasil, hoje, não coopera com a necessária ação global para mitigar as mudanças climáticas.

Mas o que tudo isso significa para você?

Há alguns anos eu era uma ativista pela Amazônia, indo e voltando da minha cidade, Rio de Janeiro, para a Reserva Indígena do Xingu, no estado de Mato Grosso. Toda a minha vida era sobre a floresta, meu conhecimento e a maior parte da minha primeira experiência com a sustentabilidade veio de lá. Mas a chama e a energia que uma vez morou tão fortemente em mim tem diminuido. Enfraqueceu tanto que eu aguardei alguns dias depois que o fogo queimou nossa floresta para sentir minha dor e me manifestar sobre este luto… Como é que eu cheguei aqui? Como é que nós chegamos até aqui? Tão distantes da floresta e do nosso planeta.

Maria Eduarda na Reserva Indígena do Xingu. / Imagem: George Steinmetz

Levei um tempo, mas agora entendo que a Amazônia não significa o mesmo para todos. Os países estrangeiros vêem a Amazônia como uma ferramenta para a mitigação das mudanças climáticas. Para plantas e animais a floresta significa sua casa; para os ruralistas e as empresas de mineração a Amazônia significa uma grande fonte de dinheiro; para os cientistas uma quantidade infinita de possibilidades; para os povos indígenas significa comunidade e espírito.

Para mim? Significa sabedoria e vida.
E para você? O que a floresta significa? O que foi que queimou?

Um lembrete, não ocorrendo mais desmatamento e queimadas, há uma chance da Floresta Amazônica voltar ao seu estado anterior – mas não no curto período da vida humana.

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SOUZA, Maria Eduarda. A Amazônia continua em chamas. Autossustentável. Disponível em: <https://autossustentavel.com/2019/09/a-amazonia-continua-em-chamas.html>.

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