Diplomacia Brasileira e o Meio Ambiente: de exemplo global a pária internacional
O Brasil sempre foi um anão diplomático. Em alguns assuntos, ganha destaque e protagonismo pontual – por um tempo, inclusive, chegamos a liderar a agenda e nos tornamos referência global. Mas esse tópico, hoje, não só está nos deixando menores, mas fazendo com que nos tornemos párias internacionais: o meio-ambiente.
Diplomaticamente, o Brasil Império tinha alguma relevância e proximidade à Europa e aos emergentes EUA, mas sempre foi um país… exótico. Quando muito, uma potência regional, mas sem relevância efetiva para o cenário global (eminentemente europeu). O início da República possivelmente foi a Era de Ouro da Diplomacia brasileira, em especial a nível regional. Barão de Rio Branco (sim, quem deu nome ao Instituto) consolida nossas fronteiras de modo brilhante e pacífico. E ainda leva um Acre.
O Brasil é mais uma vez periférico na Primeira Guerra, mas acaba por galgar relevância ao ingressar na nata diplomática global posteriormente, via Liga das Nações. O órgão não é lá exemplo de sucesso, mas era o que tínhamos de mais arrojado há um século. Na Segunda Guerra, um papel de maior relevância e um alinhamento certeiro com o lado vencedor. Com a ONU logo depois, não ganhamos maior poder efetivo, mas sem dúvida logramos maior relevância. Sem assento no Conselho de Segurança, mas a “honra” de sempre abrir a Assembleia Geral.
Aliás, nesse ponto é bom explicitar conceito básico de política internacional: hard e soft power. Hard power é o poder efetivo, militar, clássico. Soft power é o poder sutil, cultural, de ideias. Ambos podem ser usados pra influenciar, mas por caminhos distintos. Um exemplo clássico de hard power é a Rússia/URSS, que mantém grande poder bélico e alcance global. Um exemplo de soft power é a França no passado e a Coreia do Sul hoje, que exportam com eficácia sua cultura (ainda que não abdiquem de poder bélico). Os EUA têm ambos (não à toa, a grande superpotência das últimas décadas).
O Brasil, como podem supor, nunca foi potência bélica, no máximo tem um alcance na América do Sul. Contudo, desde meados do século XX, “n” fatores culturais possibilitaram a influência tupiniquim no mundo. Futebol, Bossa Nova e outras jabuticabas ajudaram a colocar o Brasil no mapa. Mais do que isso, diplomaticamente o Brasil se insere no debate internacional como um dos líderes dos países em desenvolvimento, inclusive contribuindo e atuando ativamente no debate sobre desenvolvimento e desigualdade.
Mais ou menos nessa época, são criados os primeiros fóruns de debate internacional ambiental. A Conferência de Estolcomo de 1972, o Clube de Roma, o relatório Bruntland, o Protocolo de Montreal: debates, acordos e conversas que, em resumo, falavam que o desenvolvimento global nos levava a um cenário de muitos problemas ambientais que voltariam para nos assombrar em alguns anos.
Nesses fóruns, o Brasil sempre foi a liderança do desenvolvimento. Ajudou a desenvolver princípios que perduram até hoje, como as responsabilidades comuns, porém diferenciadas (todo mundo é “culpado” por problemas ambientais, mas alguns países têm mais parcela nessa culpa, logo, devem pagar mais que outros) ou a lógica de que “a pobreza é a pior forma de poluição” (frase que coroou a participação da representação brasileira em Estocolm-72), colocando uma hierarquia de interesses de países mais pobres: primeiro temos que nos desenvolver, vencer a pobreza; depois pensamos no meio ambiente. O segundo seria impossível sem o primeiro.
Mas mudam-se os tempos, as prioridades, os governos. Já na redemocratização, o Brasil vê na questão ambiental uma estupenda oportunidade de posicionamento global, em um momento em que acabava com seu histórico isolamento comercial com o mundo. Acaba por ser a sede da Rio/Eco-92, encontro internacional ambiental que ocorre 20 anos após Estocolmo. Desnecessário enfatizar a importância da Rio-92: todo o debate ecológico internacional, toda a instituição criada para os temas ambientais é derivação direta ou indireta dessas discussões. E o Brasil, como sede, ganha imediata projeção no tema.
Hospedando a maior floresta tropical, a maior bacia hidrográfica, o maior aquífero subterrâneo, o maior hotspot de biodiversidade, tendo tamanho continental e uma das maiores zonas costeiras e uma multiplicidade de biomas, a relevância ambiental brasileira é literalmente natural. E a diplomacia nacional se aproveitou disso. A despeito de uma relevância baixa do país no palco global, o corpo diplomático brasileiro sempre foi extremamente bem preparado e elogiado. E, para o novo tema, não foi diferente. Logo, o Brasil dominava temas e pautas ambientais. Foi, por exemplo, decisivo na redação do Protocolo de Quioto, liderando discussões de crédito de carbono e metas de emissão (mas não pra todos, pois responsabilidades comuns porém diferenciadas).
O auge diplomático brasileiro, contudo, veio nos anos 2000. Uma confluência de fatores internos e externos – crescimento contínuo, diminuição da pobreza e fome, pré-sal, auge do ciclo das commodities, alinhamento sul-sul – fez com que o Brasil ganhasse relevância inédita. Dessa época, temos a criação (e relevância) dos BRICS, diversas agendas de cooperação com países da América Latina e África e, para a agenda ambiental, A Grande Virada brasileira: a COP-15.
Talvez nem todos se lembrem, mas a COP-15, Conferência de Clima em Copenhague, em 2009, foi o primeiro evento ambiental global em que a sociedade civil conseguiu colocar o tom de urgência necessária na pauta política. Acabou por levar o maior número de chefes de Estado desde a Rio-92. A chefe de delegação do Brasil era a então ministra Dilma Rousseff – que sabia bem pouco da agenda, mas que já era a pré-candidata a sucessão petista (e que tinha Marina Silva, então pelo PV, nos calcanhares). Próximo ao evento, Dilma soltou algumas falas que soaram bem mal para a posição brasileira. Talvez por isso e o ambiente eleitoral, talvez por uma necessidade de posicionamento diplomático e um cálculo político, talvez pela histórica pouca importância do tema ao governo ou talvez um pouco de cada, a posição de liderança desenvolvimentista do Brasil dá uma guinada decisiva.
O país, que sempre se opôs a meta aos países em desenvolvimento, chega a conferência com metas autoimpostas de redução de emissão – em um momento que pouquíssimos países faziam isso, nenhum do tamanho do Brasil. Muda o discurso e se torna A Grande Liderança do debate. Na COP-15 e nos encontros internacionais posteriores, o Brasil se torna a grande referência, o moderador dos debates. Conseguimos falar pelos mais ricos, pelos mais pobres e conseguimos fazer com que ambos conversem e cheguem a acordos (ainda aquém do necessário, mas, ainda assim, acordos). Não à toa, o Brasil é sede, líder e providencial para a Rio+20 e seu principal legado: os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Enfatizo esse momento, pois aqui temos o ápice diplomático do país. Não só éramos coadjuvantes: o debate, a agenda, partia de nós.
Com o fim do ciclo econômico, o impeachment de 2016 e todas as discussões de reforma, a agenda ambiental nacional acaba por ser seriamente “escanteada”. A presença internacional e relevância do Brasil mergulha. A liderança e relevância na agenda climática é colocada em xeque.
E cerca de 10 anos depois do início desse ciclo, vemos o oposto: o Brasil nunca ganhou tanta repercussão internacional desde 2009. Mas por motivos diametralmente opostos: a grande liderança ambiental, o soft power do desenvolvimento, agora perpetra a destruição de seu patrimônio. Mais do que perder a relevância e ser “escanteado”, o Brasil começa a ser isolado pelos países com quem historicamente sempre flertou (o Ocidente) e por conta de pautas que ajudou a construir (o desenvolvimento e o meio-ambiente). É impossível saber a escala de onde chegaremos no atual rumo das coisas, mas devo dizer que sou cético quanto a uma melhoria desse nosso trajeto pelas posições e falas pregressas do presidente e seus ministros de meio ambiente e relações exteriores.
Em 10 anos, o Brasil nunca esteve tanto em evidência como agora no mundo. Mas não como líder, como “farol moral”; estamos nos tornando párias de um sistema que ajudamos a construir. E párias não são apenas escanteados, párias são excluídos.
É claro que muito disso tem a ver com comércio, influência econômica e pressão de lobby interno de outros países. Mas o debate ambiental é o debate de desenvolvimento. E uma mentalidade desenvolvimentista da década de 1970 (ou de antes) não tem mais espaço no mundo chegando a 2020.
Tomara que seja breve. Tomara que entremos em um rumo bom. Tomara que esse texto sirva apenas de alerta de um momento passageiro, que antecipou uma virada espetacular para o país. Desejo mesmo que isso aconteça.
Mas acho que vai acontecer? Não. E temos que estar preparados pra isso.
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MALTA, Fernando. Diplomacia Brasileira e o Meio Ambiente: de exemplo global a pária internacional. Autossustentável. Disponível em: <https://autossustentavel.com/2019/09/diplomacia-brasileira-e-o-meio-ambiente-de-exemplo-global-a-paria-internacional.html>.