Biotecnologia: a Manopla do Infinito

Um tema polêmico e pouco acessível, que envolve a manipulação genética de seres vivos – assim é vista a biotecnologia pelo senso comum. Já tive a oportunidade de trabalhar com biotecnologia industrial e quando fui convidada a falar deste tema senti o desafio de simplificar os jargões científicos que erguem muros entre a universidade e a população. Além disso, quero mostrar que a biotecnologia pode ser maravilhosa ou terrível (mas não da forma que os grandes laboratórios ou ambientalistas fanáticos defendem), dependendo da forma que a utilizamos. Decidi, então, usar metáforas bem maduras e didáticas para facilitar o entendimento.

Se a biologia, a química, a engenharia, a informática e a estatística fossem os Power Rangers, que funcionam muito bem separadamente, a biotecnologia seria o “Megazord”, uma combinação extremamente poderosa que reúne as qualidades que cada um apresenta e as potencializa. Mas Power Rangers é coisa da minha geração (não que eu seja velha), então nossas metáforas científicas a partir de agora contarão com a ajuda dos companheiros do Capitão da referência.

Imagem: Marvel Studios.

Como todos sabem, grandes poderes trazem grandes responsabilidades. A biotecnologia é responsável por grandes avanços biomédicos, farmacêuticos, agropecuários, alimentícios, ambientais, entre outros. O que muita gente não sabe é que isso não é algo novo. Graças à biotecnologia, ainda que em sua forma rudimentar, temos cerveja, pão, animais com mais carne e gordura, uma variedade de cães e outros animais domésticos, bananas sem sementes e vários outros elementos do nosso cotidiano que sofreram seleção artificial, o que direcionou para o aprimoramento de uma característica desejada por nossos antepassados. Inúmeros processos que na Antiguidade eram interpretados como magia ou considerados arte eram, além disso, a biotecnologia engatinhando e dando seus primeiros passos como ciência.

Desde a descoberta da insulina, em 1921, pacientes diabéticos passaram a ser tratados com ela em vez das rigorosas dietas que até então eram a única alternativa. O problema era o fato dessa insulina ser extraída de animais abatidos. Eram necessárias cerca de oito toneladas de pâncreas para produzir aproximadamente 230 ml de insulina purificada, que ainda causava efeitos colaterais em alguns pacientes por possuir pequenas diferenças da insulina humana.

Foi na década de 1980, mais ou menos quando Peter Quill nasceu, que a tecnologia do DNA recombinante possibilitou a utilização de bactérias que incorporassem fragmentos do DNA humano para a produção em maior escala de uma insulina verdadeiramente compatível (muito mais útil que o Senhor das Estrelas, convenhamos). Atualmente, as bactérias foram destronadas pelas leveduras Saccharomyces cerevisae (sim, as mesmas que fazem cerveja, pão e etanol. Benditas sejam!), que são as preferidas porque geram moléculas com estrutura tridimensional quase tão perfeita quanto Thor chegando em Wakanda, diminuindo os gastos com purificação.

Imagem: Wikimedia.

O grande ponto de virada, em termos de tecnologia, veio nos anos 2000, com o advento do CRISPR. Eu poderia dar a definição oficial, mas creio que podemos entendê-lo como ‘Éter’. Quem detém o conhecimento sobre CRISPR é capaz de mudar a realidade de tudo que possui DNA e isso deixou de ser ficção faz tempo. Essa técnica permite que o DNA seja editado, ou seja, cientistas podem mudar, silenciar, retirar ou adicionar genes. Com o CRISPR temos o poder de manusear os seres vivos de acordo com nossa vontade. Não significa que já podemos criar humanos com superpoderes, mas, se decidirmos que isso é ético e investirmos nisso, em poucas gerações é possível chegar ao cenário de Boku no Hero (a comparação era muito boa, tive que desviar da Marvel, perdão). O poder do CRISPR levanta grandes questionamentos éticos, pois, se por um lado podemos eliminar diversas doenças, também podemos criar uma sociedade eugênica e ainda mais racista e desigual, pois os ricos poderão pagar para que seus bebês nasçam com as melhores combinações de genes.

Imagem: Creative Commons.

Além da questão do CRISPR, a biotecnologia enfrenta impasses em outras frentes de batalha. Um dos mais debatidos são os organismos geneticamente modificados (OGMs) que, como o nome sugere, tiveram seu código genético original alterado para favorecer, apagar ou adicionar características de interesse. A maioria dos cereais, como soja, milho e trigo têm OGMs como padrão de culturas comerciais. O termo mais popularmente conhecido é “transgênicos”. No entanto, nem todo OGM é transgênico, pois esta categoria envolve, obrigatoriamente, a introdução de material genético de outra espécie.

Imagem: LaborGene Agrogenética

OGMs e transgênicos prometem diversas vantagens para a agricultura: aumento da produção, aumento do valor nutricional, maior resistência a pragas, diminuição do uso de agrotóxicos, maior tolerância a herbicidas. No entanto, esta tecnologia ainda é bastante recente e não se sabe a totalidade de seus riscos para a saúde humana e para o meio ambiente. Países com grande foco em biossegurança, como os da União Europeia, não aboliram os transgênicos de suas prateleiras, considerando-os seguros, mas informam ao consumidor para que este possa fazer sua escolha.

Existem várias outras questões polêmicas envolvendo os superpoderes da biotecnologia e as questões éticas, como em Guerra Civil. Contudo, quero destacar dois últimos exemplos positivos inter-relacionados. O primeiro deles é a produção de carne artificial a partir de células-tronco animais. Como já discutimos no meu artigo anterior (clique aqui), a indústria da carne gera enormes impactos ao meio ambiente com emissão de gases, pegada hídrica e desmatamento, além da questão moral sobre a vida dos animais. O cultivo de carne em laboratório é uma revolução em andamento que permitirá que as pessoas saboreiem seus bifes sem peso na consciência. O outro exemplo também envolve a preservação de florestas, principalmente da Floresta Amazônica, e de outros biomas ricos em biodiversidade. Explorar produtos biotecnológicos nessas áreas evita o seu desmatamento e degradação, pois o ecossistema preservado gera mais valor do que se fosse destruído para virar pasto ou garimpo.

Imagem: Olhar Digital.

As possibilidades que a biotecnologia fornece ao ser humano são infinitas e ainda temos potencial para desenvolvê-la ainda mais. Os avanços biotecnológicos são inevitáveis. Utilizar novas ferramentas para aprimorar e acelerar os processos naturais ou direcioná-los para satisfazer nossas demandas é algo praticado há milênios e que será feito enquanto o Homo sapiens existir ou assim desejar. É necessário estabelecer, racionalmente, os limites éticos de sua utilização, sem demonizar ou glorificar essa ciência. A biotecnologia é apenas a manopla. Quem escolhe quem vai estalar os dedos e com que propósito o fará somos nós.

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LOPES, Jéssica. Biotecnologia: a Manopla do Infinito. Autossustentável. Disponível em: <https://autossustentavel.com/2020/07/biotecnologia-a-manopla-do-infinito.html>.

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