Fumaça acima de tudo e poeira acima de todos: Desmatamento e Mudanças Climáticas
Recentemente, entre os meses de setembro e outubro de 2021, parte das regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil registrou fenômenos que chamaram a atenção da mídia e da população em geral: as tempestades de poeira, chamadas de Haboobs (do árabe “habb”, soprar), que transformaram dias em noites e trouxeram cenários avermelhados atípicos para a realidade brasileira. Ao mesmo tempo que tais eventos são interessantes e incomuns em nossas terras tropicais, podem ser interpretados como um sinal ou sintoma de um problema maior, que extrapola determinada condição microclimática.
O interior do estado de São Paulo, o oeste de Minas Gerais, o sul de Goiás e o estado do Mato Grosso do Sul (exceto o extremo sul) possuem condições climáticas parecidas: o clima é tropical, com chuvas abundantes entre boa parte da primavera e o começo do outono e estiagem muito bem definida entre maio e setembro. A falta de chuvas no inverno é climatológica, ou seja, é normal e até desejável, uma vez que, a vegetação da região, como conhecemos hoje, evoluiu sob estas condições e muitas espécies dependem de estresse hídrico para florescer, frutificar, produzir sementes e, consequentemente, sobreviver. Neste contexto, a partir de processos co-evolutivos, muitos animais dependem, mesmo que indiretamente, dessa dinâmica climática estacional.
Segundo o IBGE, originalmente, a vegetação que predomina na região é o Cerrado e a Mata Atlântica semi-decidual ou Ombrófila Aberta. Em ambas as fitofisionomias [1], a presença de árvores e arbustos de portes variados, com sistema radicular robusto, contribui para manter o solo protegido das intempéries ambientais. Um solo mais descoberto e outro vegetado respondem de maneira diferente à mesma condição de tempo – um vendaval, por exemplo. Nessa perspectiva, as tempestades de poeira podem estar relacionadas com uma profunda alteração na cobertura do solo, processo que pode estar potencializado por recentes alterações nos padrões climáticos.
Observe nos mapas a seguir, retirados do Banco de Dados de Informações Ambientais (BDiA), do Governo Brasileiro, como a vegetação da região foi profundamente alterada para dar espaço às atividades agropecuárias. No segundo mapa, tons em cinza indicam ‘atividade agropecuária’ e, em roxo, ‘reflorestamento’:
A combinação de meses de estiagem, incêndios florestais, vegetação muito seca e a passagem dos primeiros sistemas meteorológicos causadores de perturbações atmosféricas provocaram um intenso levantamento de terra, fumaça e poeira nos municípios onde as instabilidades chegaram com vendaval. O solo menos protegido pode ter potencializado os efeitos e causado as imagens típicas de climas desérticos que observamos na mídia e nas redes sociais.
É importante lembrar que a ocorrência de temporais isolados na segunda quinzena do mês de setembro e no começo de outubro é normal nessas regiões, é nessa época que o padrão seco do inverno começa a ser quebrado. Como se observa na figura 3, as cores entre o vermelho e o marrom (indicadoras de ausência de chuva) perdem força em setembro e, no mês de outubro, desaparecem. Portanto, as cenas atípicas observadas no começo desta primavera não podem ser creditadas somente às convecções tipicamente tropicais:
Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado alterações sensíveis nos regimes de precipitação e temperatura em algumas épocas do ano. Um período muito afetado tem sido a transição do inverno para a primavera, que tem apresentado ondas de calor históricas, com registros de temperaturas excepcionalmente elevadas em ampla área, sem precedentes na história climática do país. Esse aumento do calor, somado à irregularidade pluviométrica que tem predominado de forma geral desde meados da década de 2010, causou os recentes problemas hídricos e energéticos – e as tempestades de poeira podem ser interpretadas como um mero sintoma de tudo isso, a “ponta do iceberg”.
Diante de um monitoramento climático curto – nossas estações meteorológicas, salvo raras exceções, têm menos de 100 anos de dados, muitas funcionam há poucos anos ou poucas décadas, tempo demasiadamente curto para fazer afirmações conclusivas – é muito difícil saber se as anomalias dos últimos anos se configuram como tendências ou se são parte de uma variabilidade periódica das condições de clima. Outubro de 2021 trouxe uma excelente surpresa para a maior parte do Brasil: as chuvas voltaram de forma mais abrangente e volumosa que a média histórica e já conseguiu, inclusive, recuperar a umidade do solo, de forma que não há mais estiagem agrícola em quase nenhuma região:
Prever se essa melhoria se configurará como uma reversão do atual quadro desfavorável é difícil. Entender qual a participação relativa das mudanças climáticas nesse processo tão complexo, que envolve desmatamento e alteração de paisagens naturais, é mais difícil ainda e fica a cargo dos especialistas na área. Mas os cidadãos brasileiros precisam se atentar para o que está ali, diante de seus olhos: fumaça, fuligem e poeira suspensas, em terras profundamente alteradas. Alguma coisa não está normal.
[1] Particularidade vegetal ou a flora típica de uma região.
Referências e Sugestões de Leitura:
- BDiA (Banco de Dados de Informações Ambientais).
- IBGE.
- INMET (Instituto Nacional de Meteorologia).
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Saiba como colocá-lo nas referências:
PAIVA, Leonardo. Fumaça acima de tudo e poeira acima de todos: Desmatamento e
Mudanças Climáticas. Autossustentável. Disponível em: <https://autossustentavel.com/2021/11/fumaca-acima-de-tudo-e-poeira-acima-de-todos-desmatamento-e-mudancas-climaticas.html>.
Votos para que a população volte sua atenção para o que realmente importa. O planeta e seus recursos são a “nossa fonte de vida”. Ou so iremos enxergar isso quando esses recursos começarem a se esgotar de forma drástica? Estamos caminhando exatamente nesse sentindo e isso é preocupante. Bom conteúdo