A China é capaz de solucionar a crise de poluição do ar?
Quando falamos sobre a poluição de ar, o governo da China está em ‘terras perigosas’. De um lado é um movimento crescente dos cidadãos exigindo céus mais claros e um ambiente mais saudável; por outro lado, padrões industriais, econômicos e políticos estão profundamente instalados de forma que não podem ser rapidamente reformulados.
Na última sexta feira, assisti ao documentário “Under The Dome”. A produção investigativa exibe o cenário apocalíptico da qualidade do ar na China. Este documentário é proibido em território chinês continental e foi removido da internet chinesa, dias após ser lançado em 2015. Eu assisti o documentário na universidade NYU Shanghai, que conseguiu uma licença especial do governo para exibi-lo. No entanto promover a exibição em mídias sociais ou WeChat (What’sApp da China) não foi permitido.
O documentário, produzido e narrado pela jornalista chinesa Chai Jing, exibe os efeitos que a poluição de ar gera na saúde da população e como as indústrias do país e o governo estão cientes do mortal impacto, porém não tomam atitude. O filme exibe de maneira coerente não só porque e como a China se tornou tão poluída mas o que podem fazer para reverter este cenário.
A China tem, de fato, uma gama de políticas de proteção ambiental, porém uma questão recorrente é que essas políticas são alteradas por indústrias e intencionalmente negligenciadas por funcionários do governo. Semelhante ao Brasil, não é mesmo?
O documentário não pede por novas políticas ambientais, mas simplesmente para a aplicação adequada das políticas já estabelecidas. Se somente as leis atuais das emissões do país fossem obedecidas, a redução de emissões de poluentes seria significativa. Em outras palavras, é preciso que as empresas chinesas e os funcionários do governo cumpram a lei. A boa notícia é que este movimento de levar as empresas e os funcionários do governo a legalidade é uma agenda que está sendo seriamente implementada pela campanha anticorrupção do presidente Xi Jinping.
Após de uma série de incidentes de poluição do ar na China entre 2007 e 2015, coloquialmente apelidado de “airpocalypses” (ar apocalíptico), em que cidades foram simultaneamente tomadas pelo smog. O governo chinês tomou seu primeiro passo para melhorar a qualidade do ar: admitiu que havia um problema.
A palavra “smog” se tornou comum e de uso diário na vida dos ‘que estão mais alertas’. Smog é a neblina intensificada por fumaça e outros poluentes atmosféricos, você pode observar smog em São Paulo quando, por exemplo, olha para o sol, mas não o vê claramente, somente uma luz atrás de uma cortina cinza.
O governo já fez uma sucessão de negações e desculpas para a neblina/smog, sendo a principal delas “um nevoeiro causado por agricultores queimando culturas”. No entanto, a verdade é que morre prematuramente a cada ano entre 350.000 e 500.000 chineses por causa da poluição do ar. Este fato aliado ao impacto negativo da poluição do ar no desenvolvimento das crianças, fez com que cidadãos chineses olhem estritamente ao governo para solucionar a questão. É válido lembrar que a maioria das indústrias (maiores poluentes) no país são administradas pelo governo chinês.
Tendo reconhecido o problema, o governo tornou-se automaticamente responsável por corrigi-lo. Porém isto não é apenas uma questão de avareza industrial, pois grandes indústrias poluentes na China também empregam milhões de trabalhadores, e são os fundamentos econômicos de províncias inteiras. Como apresentei no meu último artigo (clique aqui para ler), a sustentabilidade na China está historicamente ligada ao modelo de desenvolvimento econômico e o crescimento econômico ainda é a prioridade.
Em contrapartida, a China parece estar se transformando gradualmente. Em menos de uma década, o país tornou-se um líder global em energia solar, eólica e hidrelétrica, produzindo mais GW de energias renováveis do que a potência total de todos os outros países do mundo, exceto os EUA. O governo também fornece subsídios maciços para criar um ambiente mais propício para a produção de energias renováveis, bem como formas menos poluentes de transporte e design urbano sustentável.
Quase 300 novas eco-cidades também estão atualmente em construção ou estão nas fases de planejamento. Construir centenas de cidades novas pode parecer a coisa menos ecológica que um país pode fazer, porém as eco-cidades podem ser vistas como testes essenciais para um novo tipo de urbanismo global.
Sem dúvida há um apelo crescente do público chinês por um ar mais limpo, e agora que o governo reconheceu a escala do problema, ele será tratado, pois ao contrário de outras questões, o governo não pode esconder a poluição do ar. E o partido comunista não pode se dar ao luxo de ter um compromisso não correspondido, tornando-o parecer inepto e fraco – é preciso manter a legitimidade para continuar a governar.
De uma forma ou de outra, diante da complexidade política, social e ambiental, acredito que podemos vislumbrar um futuro mais saudável para as pessoas e o meio ambiente na China. E você, o que acha?
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SOUZA, Maria Eduarda. A China é capaz de solucionar a crise de poluição do ar?. Autossustentável. Disponível em: <https://autossustentavel.com/2019/03/a-china-e-capaz-de-solucionar-a-crise-de-poluicao-do-ar.html>.
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