A Moda que Parece e A Moda que é Sustentável

A temática da sustentabilidade está presente nos mais variados discursos e meios de comunicação, o que tem levado as empresas a buscarem soluções tanto na cadeia de produção, quanto na gestão de seus negócios, de forma a se adaptar às questões de desenvolvimento sustentável (DALMORO et al, 2009). A responsabilidade ambiental é cada vez mais valorizada pelo consumidor e incorporada às empresas de diferentes setores, inclusive o de moda, e, no tocante ao discurso ecológico, essas empresas tem utilizado estratégias de marketing para se posicionarem diante do consumidor.
Existe um conceito chamado marketing verde que, de acordo com Dalmoro et al (2009), caracteriza-se por atividades que facilitam a comercialização de bens ou serviços, visando satisfazer necessidades ou desejos do consumidor (inerentes ao conceito de marketing), porém, com menor impacto ambiental na cadeia. Isso se dá através da modificação da matéria-prima utilizada nos produtos, nas embalagens, em novos processos e canais de distribuição, entre outros fatores da cadeia produtiva de moda, que minimizam seus impactos no meio ambiente.

Kotler (1995) sugere que o marketing verde aparece quando as empresas consideram a questão ambiental passando a desenvolver seus bens ou serviços de acordo com critérios ecológicos. O conceito teve um avanço em função da importância e dimensão que o meio ambiente passou a ocupar nos discursos sociais, governamentais e empresariais, e “tem como finalidade orientar, educar e criar desejos e necessidades nos consumidores visando atingir os objetivos de comercialização das organizações pelo aumento do consumo com um menor impacto ambiental” (KOTLER, 1995). Percebe-se aqui uma contradição, já que a sustentabilidade propõe a redução no consumo, no entanto, isso ainda deve passar por uma mudança cultural maior, como defendem Manzini e Vezzoli (2005).

Para algumas pessoas, falar em marketing verde dá a conotação de publicidade de produtos que remetem ao ecológico, geralmente associado a conceitos como “reciclado”, “rústico”, “artesanal”, “que não polui”, e que talvez nem o sejam. Na realidade, marketing verde vai além dessa percepção, mas reconhece-se que há quem se utilize dessa ferramenta apenas como apelo de imagem de marca, sem, de fato, investir em mudanças na cadeia de produção (considerando todas as etapas, desde a seleção de matéria-prima até o descarte final) que fundamentem e justifiquem o posicionamento sustentável. Segundo Pereira et al (2012), a atenção destinada pela sociedade à questão ambiental criou uma oportunidade para ganho de vantagem competitiva pelas empresas e, por isso, muitas delas têm apostado nesse posicionamento. Para estes autores, as empresas que não adotarem práticas ambientais estão se arriscando a criar uma imagem negativa perante o consumidor.

A literatura, e a própria observação das tendências comportamentais, sugerem que o consumidor está mais consciente, só que, no tocante à moda, sabe-se que, justamente pela característica efêmera, de mudanças, e de ser movida pelo desejo por novidades, essa consciência ecológica não parece tão evidente. Pelo menos não na maioria do público consumidor de moda, e sim, em um nicho menor. Aliás, chama-se a atenção para a contradição entre os conceitos de moda e sustentabilidade (Moda e Sustentabilidade: Um Paradoxo).
Como falar em moda sustentável se moda implica em ritmo (produção, consumo e descarte) acelerado, muitas vezes as custas da exploração de mão-de-obra barata, e de recursos ambientais naturais não renováveis (LEE, 2009); enquanto sustentabilidade sugere o prolongamento do ciclo de vida dos produtos, durabilidade, valorização do trabalho e preocupação ambiental? É uma questão para se pensar, talvez esses dois termos não possam caminhar juntos. Entretanto, para fins de caracterizar uma moda mais consciente, podemos, pelo menos por enquanto, seguir falando em moda sustentável. Retomando a questão de um nicho menor de consumidor de moda consciente, conforme previsões e macrotendências isso
tende a se alterar, levando a mudança de comportamento o que tornará os consumidores mais adeptos da moda consciente. Se não for pela vontade, será pela necessidade (MANZINI; VEZZOLI, 2005).
Nesse contexto, os atributos ecológicos tendem a agregar valor aos produtos, construindo uma imagem de marca responsável frente ao consumidor, que passa a ser seduzido pela mesma.  Assim, é possível estabelecer uma vantagem competitiva em relação a empresas que não adotam práticas ambientais. No entanto, ser uma marca de moda sustentável, pelo viés ambiental, pressupõe que os produtos ou serviços ecológicos atendam a alguns critérios, como: seleção de recursos com baixo impacto ambiental (tanto materiais quanto fontes de energia), seleção de recursos naturais renováveis (matéria-prima e energia), recursos biodegradáveis; gerenciamento do lixo, considerando a reciclagem de materiais (pensar na facilidade de separação de materiais compatíveis entre si), e reaproveitamento; pensar na durabilidade do produto, versatilidade, facilidade de reparo e manutenção, e por último, pensar no descarte correto.
Em síntese, a questão do ciclo de vida do produto é fundamental, ou seja, considerar todas as etapas e o que se pode fazer para minimizar impactos em cada uma delas. (VEZZOLI, 2010) Quando as empresas de moda, e outros setores, investem nessa cadeia produtiva diferenciada, considerando a premissa ambiental e aplicando as práticas descritas, podemos dizer que ela é sustentável.
Mas, de que forma o consumidor fica sabendo disso? Sabe-se que existem estratégias de comunicação para informar o posicionamento da empresa e imagem de marca, e, no caso das empresas sustentáveis, as estratégias costumam ser aquelas que evidenciam os atributos dos produtos ou serviços.
Para Ottman (1998), mais do que anúncios vinculados a apelos ecológicos em termos de imagem e conceito, as empresas precisam informar a performance e qualidade desses produtos, bem como ser transparentes quanto aos processos e materiais envolvidos. É fundamental disponibilizar informações confiáveis sobre o produto e seus atributos ambientais, e com uma linguagem clara e simplificada para que o consumidor entenda. Inclusive, Ottman argumenta que um número maior de consumidores, e não somente os adeptos do consumo verde, pode sentir-se atraído por estes produtos, quando o enfoque for desempenho, conveniência e outros benefícios palpáveis.

Confira algumas empresas de moda que repensaram sua cadeia produtiva e se posicionaram como sustentáveis, elas se comunicam com recursos de marketing verde. Empresas que são, e não apenas parecem:

ENVIDO
A Envido promove a aproximação entre designers e as empresas de diferentes segmentos com foco na sustentabilidade. O objetivo é criação de produtos através de uma cadeia produtiva forte baseada no reaproveitamento de materiais e nas causas sociais. A Envido também realiza pesquisas e desenvolvimento de têxteis e fios. Todos orgânicos e biodegradáveis. Para conhecer a Envido clique aqui.
Autossustentável: ENVIDOAutossustentável: ENVIDO
Autossustentável: ENVIDO
INSECTA SHOES
Sapatos veganos e artesanais feitos com a reutilização de peças de roupas vintage. Eco-friendly, colecionável e mutante. Para saber mais sobre a Insecta Shoes clique aqui.

Autossustentável: Insecta Shoes

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FLAVIA ARANHA
Modelagens atemporais, tecidos de algodão puro e tingimento com corantes naturais estão presentes em todas as coleções. Desenvolve suas coleções com a mesma sutileza com que troca experiências com as comunidades que visita, para compor suas referências, inspirações e parcerias. Destas comunidades que produzem diversos tipos de matéria-prima que Flavia usa em suas peças, ela quer resgatar um trabalho artesanal que se perdeu no tempo e na vida das pessoas, através de reinvenções, buscando uma nova valoração da brasilidade. Flavia se destaca por proporcionar aos clientes produtos que se inserem no seu estilo de vida. Para saber mais sobre o trabalho desenvolvido por Flavia Aranha clique aqui.

Autossustentável: Flavia Aranha
Contudo, existem empresas que se utilizam de ferramentas de comunicação, com o intuito de fazer a marca parecer sustentável. Desta maneira, fica confuso para o consumidor quais são as empresas que realmente investem em produção com preocupação ambiental, e quais apenas parecem preocupar-se, uma vez que passam essa ideia ao utilizarem estratégias de comunicação que mais vendem um estilo de vida do que sustentabilidade de fato. Não se afirma aqui que as empresas que usam recursos de comunicação, ou outros, com “cara de ecológico” estejam querendo se passar por sustentável propositalmente.  A intenção pode ser vender um “lifestyle” como, por exemplo, andar mais de bicicleta e menos de carro, fotografar editoriais em meio à natureza enfatizando que se tenha mais contato com esta. E isso pode confundir o consumidor.
Por isso, Ottman (1998) ressalta a importância de buscar comprovação das atividades ecologicamente corretas. A informação deve ser transparente em todas as etapas do processo produtivo, evidenciando os componentes do produto, as vantagens daquela atividade produtiva, como se deu a distribuição e que impacto gerou, e de que maneira a empresa está fazendo sua parte na questão ambiental, através de suas ações.
Empresas de moda com uma postura ecologicamente correta, interessadas em desenvolver produtos que respeitem o consumo consciente e que, de fato, transmitam isso de maneira transparente para o consumidor, terão vantagem competitiva no mercado em que estejam inseridas. O consumidor só terá que ser um questionador de quem realmente é sustentável e quem apenas parece ser.
Pereira et al (2012) afirma que o consumidor está mais consciente e apresentando comportamento mais maduro e responsável em relação ao consumo, repensando seus hábitos e escolhas. Mas, estar consciente da questão ambiental não significa ter total conhecimento de materiais e processos, apenas dos impactos negativos da produção. Então, é provável que esse consumidor seja atraído por marcas que se digam ou pareçam sustentáveis, mas não chega a averiguar a informação a fim de comprovar a postura ética da empresa.
Alguns recursos que podem confundir o consumidor:
·   Quando uma marca de moda utiliza estampas de natureza, o símbolo de reciclagem em camisetas, ou mensagens de texto sobre preservação da natureza, etc. Essa comunicação em prol do meio ambiente não significa que as empresas tenham processos ecologicamente corretos, ou que utilizam tais materiais.
·     Embalagens rústicas. Uma embalagem não representa que houve mudança em toda a cadeia, ou que todas as etapas são coerentes com discurso ambiental. E nem sempre o aspecto rústico de um material significa que ele é ecologicamente correto.
É comum os profissionais de marketing relacionarem artigos verdes ao ato de consumo responsável, e a maioria dos consumidores não investiga o histórico da empresa ou informações mais detalhadas. Apenas compra a ideia.
Reforça-se que o presente artigo não está afirmando que todas as marcas de moda que assim se comunicam estejam querendo enganar o consumidor. Algumas, sim, o fazem. Outras, entretanto, utilizam os mesmos recursos de comunicação das empresas com materiais e processos sustentáveis, com o propósito de vender um estilo de vida ligado à natureza, mas que nem por isso se posicionam como marcas ecologicamente corretas. O que se traz à tona, é que isso pode confundir o consumidor entre marcas que parecem e as que realmente são sustentáveis.

Então, consumidor, vá atrás de informação. E repense seu consumo.
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Referências:
DALMORO, Marlon; CARDONA VENTURINI, Jonas y DINIZ PEREIRA, Breno Augusto. Marketing verde: responsabilidade social e ambiental integradas na envolvente de marketing. Revista Brasileira de Gestão de Negócios [en línea] 2009, vol. 11.
KOTLER, Philip. Princípios de marketing. 7ª ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1995.
LEE, M. Eco Chic: o guia de moda ética para a consumidora consciente. São Paulo: Ed. Larousse, 2009
MANZINI, Ezio; VEZZOLI, Carlo . O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo. EDUSP, 2005.
OTTMAN, Jacquelyn. Green marketing: opportunity for inovation. Chicago: NTC BusinessBooks, 1998.
PEREIRA, André Luiz; BOECHAT, Cláudio Bruzzi;
TADEU, Hugo Ferreira Braga; SILVA, Jersone Tasso Moreira; CAMPOS, Paulo Március Silva. Logística Reversa e Sustentabilidade. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
VEZZOLI, C. Design de sistemas para a sustentabilidade: teoria, método e ferramentas para o design sustentável de “sistemas de satisfação”/ Carlo Vezzoli. – Salvador : EDUFBA, 2010.

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