Afinal, a Natureza tem Direitos?
Hoje em dia, discute-se a possibilidade de atribuição dos chamados direitos da natureza, sendo esta considerada por si mesma. O tema é polêmico e divide opiniões entre juristas e ambientalistas, na medida em que suscita discussões de conceitos e perspectivas sobre a própria essência e função do direito.
Por paralelo, o debate sobre os direitos dos animais pode servir como parâmetro para consolidar as bases de justificações. Nesse, apresenta-se a possibilidade de considerar os animais como sujeitos de direito ou ao menos serem desconsiderados como coisas, conforme estabelecido na legislação civil de diversos países.
Nesse tanto, a impetração bem-sucedia de um habeas corpus de um chimpanzé confinado em um zoológico na Argentina, mesmo que medida processual inadequada, foi responsável pelo desenvolvimento das questões. O Direito dos Animais, seres senscientes, está na ordem do dia dos principais parlamentos e decisões judiciais pelo mundo.
No caso específico da natureza, os principais exemplos foram instituídos nas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009), o que vem sendo chamado de neoconstitucionalismo andino.
De acordo com o artigo 71 da Constituição do Equador de 2008 (clique aqui para acessar), a natureza ou Pacha Mama possui o direito a que seja respeitada integralmente sua existência e regeneração dos seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos, tendo qualquer pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade a legitimidade para exigir das autoridades públicas o cumprimento dos direitos da natureza.
Na Bolívia, a Constituição promulgada em 2009 (clique aqui para acessar) também avança no que se refere aos direitos da natureza, na medida em que prevê a existência de um Tribunal Agroambiental (art. 186), além da estipulação do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado para as presentes e futuras gerações (art. 33) nos moldes das principais Constituições contemporâneas do mundo. A importância dada pelos constituintes é verificada, inclusive, no preâmbulo que cita a diversidade da Mãe Terra, da Amazônia, dos rios e lagos do território boliviano [1].
Apesar da Constituição Brasileira (clique aqui para acessar) não ter inserido expressamente os direitos da natureza, como as demais Constituições citadas, ela é repleta de dispositivos sobre preservação ambiental. Fato que permitiu fundamentar o ajuizamento, no dia 05 de novembro de 2017, da ação judicial pela própria bacia hidrográfica do Rio Doce por conta do desastre ambiental na cidade de Mariana no Estado de Minas Gerais.
De acordo com os dados apresentados na petição inicial, a bacia hidrográfica em questão fornece água para 3,5 milhões de pessoas em 230 municípios e foi contaminada pelo maior desastre ambiental da história brasileira. Nessa ação, o Rio Doce foi representado pela Associação Pachamama, pessoa jurídica de direito privado sediada em Pelotas/RS [2].
Dois anos antes da ação judicial, no dia 05 de novembro de 2015, ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos de mineração controlada pela empresa Samarco S.A. que despejou 62 milhões de metros cúbicos de lama de minério de ferro, desabrigou 1.265 pessoas, impactou significativamente dois distritos (Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo), prejudicou a vida de 6 milhões de pessoas e foi responsável pela morte de 19 pessoas e 98 espécies de peixes.
Considera-se que os direitos da natureza introduzidos constitucionalmente no Equador e na Bolívia resgatam discussões do ponto de vista filosófico e teórico do direito, na medida em que apresentam uma visão biocêntrica do direito em contraponto ao antropocentrismo presente nas normas jurídicas. Busca-se, pois, que a natureza tenha valor em si como ecossistema a ser preservado para que não só as presentes e futuras gerações possam usufruir com a máxima qualidade de vida, mas também as outras formas de vida como os animais e os vegetais.
[1] Preâmbulo. En tiempos inmemoriales se erigieron montañas, se desplazaron ríos, se formaron lagos. Nuestra amazonia, nuestro chaco, nuestro altiplano y nuestros llanos y valles se cubrieron de verdores y flores. Poblamos esta sagrada Madre Tierra con rostros diferentes, y comprendimos desde entonces la pluralidad vigente de todas las cosas y nuestra diversidad como seres y culturas. Para acessar o documento completo, clique aqui.
[2] Para acessar a Petição Inicial da ação judicial ajuizada pelo Rio Doce, clique aqui.